O barbeiro ateu e a resposta cabeluda.

Um amigo me mandou um link hoje do vídeo acima. Ele comentou que a discussão gerada no Facebook acerca do vídeo oferece “uma visão relativamente ampla de qual é o pensamento natural atual sobre o nosso Deus”. E ele tinha razão; nos comentários ficou clara a divisão entre aqueles que rejeitam a Deus e as propostas da Bíblia e aqueles que aceitam tanto a Deus como a Sua Palavra.

A discussão em si não me surpreendeu, pois os comentários e as posições são bem previsíveis. (É fácil resumir assim: descrentes incoerentes, descrentes coerentes, crentes coerentes, crentes incoerentes.) O que me preocupa é o conteúdo do próprio vídeo em relação à resposta do cliente cristão do barbeiro.

A PERGUNTA DO BARBEIRO ATEU.

No vídeo, o barbeiro declara que é ateu porque vê uma incógnita no mundo à sua volta. Portanto pergunta, “Se Deus existe, por que há tantas pessoas doentes?” E continua com uma lista do sofrimento humano nas suas diversas manifestações. Esta pergunta começa a partir da premissa que se algum Deus existe, Ele deveria seguir as regras estipuladas pela homem (no caso, o barbeiro). [Aqui é interessante citar um dos comentários, “Se Deus existe ele deu o livre arbítrio então cada um acredita no que quiser.” Conseguiu seguir a lógica?] Ou seja, Deus precisa agir da forma que eu acho coerente, ou não pode ser Deus. Esta ótica não enxerga a possibilidade que Deus possa ter Sua própria vontade e o Seu próprio plano que explicam o porquê deste sofrimento sem ferir o Seu caráter divino.

Este tipo de pergunta também ignora que a Bíblia explica claramente o porquê do sofrimento humano, e isso nos primeiros três capítulos da Bíblia! A pessoa que faz a pergunta demonstra que não se deu ao trabalho de estudar as propostas básicas da Bíblia. E não falo de aceitar as propostas bíblicas, falo apenas de estudar para saber o que Deus propõe na Sua Palavra, para pelo menos avaliar as propostas com coerência.

A RESPOSTA DO CRISTÃO.

Em resposta ao barbeiro ateu, o cliente cristão oferece uma ilustração. Traz para dentro do salão um cabeludo, e explica que não acredita que barbeiros existam. Pois, “se barbeiros existissem, não haveriam pessoas com cabelo tão comprido.” A suposta pegadinha da ilustração é a própria resposta do barbeiro:

“Sim, barbeiros existem, o problema é que as pessoas não vêm até mim.”

Então o cliente devolve:

“Deus existe, mas só que as pessoas não vão até Ele. Por isso, amigo, há tanta miséria e dor no mundo”.

Imagina-se um “ohhh” coletivo enquanto a galera cristã pira!  Não nego que é uma ilustração interessante…mas infelizmente ela é incompleta. Contêm pelo menos dois problemas importantes.

1º PROBLEMA: NA ILUSTRAÇÃO, A SOLUÇÃO PARA O SOFRIMENTO É AÇÃO DO HOMEM, E NÃO A OBRA DE JESUS CRISTO.

A proposta do cristão é, “Deus existe, mas só que as pessoas não vão até Ele. Por isso, amigo, há tanta miséria e dor no mundo”. De certa forma, podemos até falar que há sofrimento porque pessoas não procuram a Deus, mas, sem esclarecimento, isso pinta um retrato incompleto da mensagem bíblica. A Bíblia propõe que o primeiro homem (e sua esposa) já pertenciam a Deus e estes O rejeitaram. Em outras palavras, sofrimento não veio ao homem por que o casal não foi até Deus, mas porque pelo pecado foram expulsados da Sua presença. O sofrimento existe por causa da desobediência da criatura contra o Criador (Gn 3). A Bíblia explica que o ser humano é morto nos seus pecados (Ef 2). A solução do problema não está no homem “ir até Deus”, pois o homem nos seus pecados é incapaz de procurá-Lo (Rm 3.10, 11)! Mas Deus, em Cristo, veio ao homem para oferecer a solução final do pecado e consequentemente do sofrimento. A busca não é o homem procurando por Deus, mas Deus buscando o homem, e convidando-o para ser reconciliado! Como diz em 2 Co 5.19, “…Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões…”

2º PROBLEMA: NA ILUSTRAÇÃO, A IMPLICAÇÃO É QUE SE AS PESSOAS VIESSEM A DEUS NÃO TERÍAMOS O SOFRIMENTO QUE O BARBEIRO DESCREVEU.

Em nenhum lugar vemos a Bíblia oferecendo alívio imediato e final do nosso sofrimento pela fé em Cristo. A Bíblia deixa muito claro que há sofrimento até para quem segue a Deus. Isso porque a solução final do sofrimento humano realizada por Jesus Cristo na cruz, embora seja um fato presente e final para Deus (que está além do tempo e espaço), ainda está no futuro para a humanidade (que está presa ao tempo e espaço, por ora). A premissa que “sofrimento acaba quando viermos a Deus” é incorreta, pois não é isso que a Bíblia ensina. O que Deus oferece é uma perspectiva que ajuda a entender porque temos o sofrimento atual, e também a entender o que Ele fez (e continua fazendo) até chegarmos àquele momento futuro onde sim, o sofrimento acabará para todo sempre. Falando deste tempo futuro o apóstolo Paulo escreveu aos romanos “Pois tenho para mim que as aflições deste tempo presente não se podem comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8.18).

ENTÃO, O VÍDEO É RUIM?

Não, não é ruim, e a resposta não foi tão cabeluda assim (bem, além do cabeludo, né?). O vídeo é bem feito, com boa qualidade de produção e atuação dos atores. Para uma audiência cristã, a “pegadinha” faz a gente pensar, e tem até valor humorístico. Mas, se o alvo do vídeo foi evangelismo ou apologética (uma defesa da fé), vários elementos importantes estavam faltando para cumprir este propósito.

Temos que ter cuidado com vídeos como esse que servem para propor uma ilustração legal, mas que, analisados, não carregam o peso nem a verdade suficientes para “convencer” alguém daquilo que a Bíblia propõe como verdade. Deus pode usar como ferramenta para trazer alguém ao entendimento da Sua Palavra, mas isso não muda o fato que “a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo” (Rm 10.17).

Certamente podemos ser criativos nos métodos que usamos para evangelizar as pessoas à nossa volta, mas até nossas ilustrações devem refletir o Evangelho com fidelidade.