Não vou falar sobre isso (Os Jogos Vorazes)

Entendo que não há tanta discussão sobre Os Jogos Vorazes aqui no Brasil, mas a pedido de algumas pessoas, ofereço esta tradução do meu post. (Read this post in English.)

Eu planejava surfar na grande onda de discussão e dizer algo sobre Os Jogos Vorazes de Suzanne Collins. Até escrevi as minhas opiniões do livro, junto com alguns comentários dos prós e os contras, etc., mas aí decidi uma coisa: eu não preciso fazer isto. Sem dúvida alguém já produziu algo escrito melhor, e certamente mais lido do que o meu blog. Em vez de comentar sobre o livro (ou o filme), digo isto:

Não há nada de novo.

Em termos de literatura, não há nada novo nesta série de livros. Nada que George Orwell, Aldous Huxley, Anthony Burgess, Ray Bradbury, Philip K. Dick, ou outros mestres da ficção científica já não escreveram que fosse melhor, mais chocante, mais perturbador, ou mais doentio do que a obra de Collins. Até a ideia de usar jovens como tributos em jogos violentos é uma página que ela admite ter tirado direto da mitologia grega. Em termos de violência, não há nada aqui que os videogames e filmes modernos já não superaram, em HD, ou até 3D. E em termos de romance jovem, que a Collins até trata levemente no primeiro livro, não há nada que outras obras já não fizeram.

Então por que as pessoas estão falando tanto sobre isso?

A rapidez com que os jovens de hoje conseguem se comunicar mundialmente tem acelerado também a formação (e passagem rápida) de ondas e manias. Portanto, nem é necessário algo ser muito bom para que um grupo faça muito caso dele via Twitter, Facebook, e outras mídias socias, e de repente, todo mundo está falando dele. O livro de Collins tem as medidas exatas para fazer um livro famoso: temas chocantes (Jovens matando jovens!? Que horror!) e romance adolescente (Ela nem mesmo muda o formato geométrico—é o mesmo triângulo de sempre). Semelhante às séries de Harry Potter e Crepúsculo, ou qualquer outra série parecida, Os Jogos está na moda, ainda mais por causa do lançamento recente do filme.

Eu não vou falar sobre isso.

Como já disse, eu planejei escrever um post sobre isto, mas aí percebi: São Os Jogos Vorazes hoje, mas amanhã vai ser outra coisa. Pessoas cristãs não precisam de sites que informam a sua opinião, e sim de conhecimento bíblico o suficiente para deixar que Deus as informe.

Nos meus dias de seminário, trabalhava num banco como caixa, e ouvi falar dos funcionários da receita federal norte-americana e como lidam com dinheiro falsificado. Contava-se que estas pessoas não estudavam as notas falsas para saberem como eram. Não, em vez disso, estudavam as notas verdadeiras minuciosamente, para conhecê-las tão bem que qualquer nota falsa ficaria óbvia, pois não seria igual às verdadeiras. Nem sei se esta história é verdadeira, mas faz sentido. E minha experiência pessoal confirmou esta ideia. Ao longo do meu tempo como caixa, desenvolvi o hábito de contar dinheiro depositado várias vezes antes de colocá-lo no caixa. Certa vez, enquanto fazia uma segunda contagem, nem olhava para as cinco notas de cem dólares na minha mão. Mas senti que algo não estava certo. Literalmente, senti que havia algo de diferente na textura do papel. O banco não exigia que testássemos cada cédula com a caneta, mas segui o meu instinto, e estava certo. Duas das cinco notas de cem eram falsas. O meu contato habitual com cédulas verdadeiras me ajudou a desenvolver uma percepção inconsciente da diferença entre o dinheiro falso e o verdadeiro.

O ponto que quero ressaltar é que eu não preciso ser um expert dos Os Jogos Vorazes para saber se é bom, ruim, ou outra coisa. Eu preciso ser um expert da verdade de Deus, para que possa reconhecer o positivo e o negativo de qualquer coisa que venha ao meu encontro na vida. Assim poderei discernir se aquilo deve fazer ou não parte da minha vida. Paulo nos exorta, “tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas” (Fp 4.8). Se a minha mente e meu coração estão sendo nutridos pela palavra de Deus, e os meus pensamentos estão saturados por estas qualidades, eu deveria reconhecer imediatamente se um livro, uma música, um filme, ou até um pastor, é uma coisa legítima, e digna do meu tempo.

Tem um ditado popular entre evangélicos norte-americanos que diz que discernimento sobre coisas duvidosas é semelhante a comer peixe: “coma a carne, cuspa fora as espinhas”. Ou seja, tire o que é proveitoso, jogue fora o resto. Meu pai, que teve uma infância mais rural, tinha sua prórpia versão: “Quando você anda num pasto, tem que olhar onde pisa”. E sempre ele acrescentava, “Existem pastos tão cheios de estrume, que é melhor nem entrar. Não dá para andar neles sem pisar em alguma coisa”.

Parece-me que os cristãos modernos (ou talvez pós-modernos) estão com uma mania de consumir tudo pela frente, dizendo que vão “cuspir fora as espinhas”, mas, na verdade, poucas espinhas estão sendo cuspidas. Pelos comentários que leio no Facebook e outros sites, cristãos estão enterrados até a cintura em estrume, felizes da vida porque acharam lá, com muito esforço, uma migalha de verdade ou coisa quase boa. Não estão nem procurando espinhas para cuspir—estão correndo atrás do vento.

A verdade de Deus não é um caça ao tesouro no lixão. Em vez de garimpar por algo de valor numa pilha de lixo, seria muito mais útil se buscássemos algo obviamente íntegro e bom. Os cristãos em Corinto discutiram com Paulo, dizendo, “Tudo é permitido”, para o qual ele respondeu, “Mas nem tudo convém”. Retrucaram, “Tudo é permitido”. E ele respondeu, “Mas nem tudo edifica” (1 Co 10.23). Como um grande amigo meu sabiamente falou, precisamos parar de perguntar, “O que há de mal nisso?” e começar a perguntar, “O que há de bom nisso?”

Então, seja Os Jogos Vorazes, ou a próxima coisa que esteja na moda, leia sua Bíblia. Deleite-se nela. Medita nela dia e noite. Assim você evitará os conselhos pecaminosos, a má compania, e o eventual declínio à roda dos escarnecedores, que pecam e se deleitam no pecado. Assim você reconhecerá valores falsificados quando surgirem, pois eles nem se compararão à coisa verdadeira.

3 comentários sobre “Não vou falar sobre isso (Os Jogos Vorazes)

  1. Clóvis Santana disse:
    Avatar de Clóvis Santana

    Pastor kiko, graça e paz. Achei excelente o seu texto crítico a respeito do filme. Não assisti ainda e penso se o farei. Todavia, sua visão quanto ao significado e sua posição de modo indireto e metafórico, até certo ponto se torna tranquilizador. Abçs!!!!

  2. Amaury Filho disse:
    Avatar de Amaury Filho

    Parabéns pela sábia reflexão. Fico feliz em homens de Deus escrevendo as verdades do Reino. Abraços e paz.

  3. Victor Carrera disse:
    Avatar de Victor Carrera

    Pensei que leria um texto apontando coisas ruins e óbvias de Jogos Vorazes, mas acabei lendo um texto que me fez refletir sobre a forma que eu consumo entretenimento e sobre a forma que eu deveria consumir entretenimento.
    É… Preciso melhorar. Valeu, Patrick!

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